quarta-feira, março 18, 2015

A mais maldita das heranças do PT

A mais maldita das heranças do PT

Mais brutal para o Partido dos Trabalhadores pode ser não a multidão que ocupou as ruas em 15 de março, mas aquela que já não sairia de casa para defendê-lo em dia nenhum

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O maior risco para o PT, para além do governo e do atual mandato, talvez não seja a multidão que ocupou as ruas do Brasil, mas a que não estava lá. São os que não estavam nem no dia 13 de março, quando movimentos como CUT, UNE e MST organizaram uma manifestação que, apesar de críticas a medidas de ajuste fiscal tomadas pelo governo, defendia a presidente Dilma Rousseff. Nem estavam no já histórico domingo, 15 de março, quando centenas de milhares de pessoas aderiram aos protestos, em várias capitais e cidades do país, em manifestações contra Dilma Rousseff articuladas nas redes sociais da internet, com bandeiras que defendiam o fim da corrupção, o impeachment da presidente e até uma aterradora, ainda que minoritária, defesa da volta da ditadura. São os que já não sairiam de casa em dia nenhum empunhando uma bandeira do PT, mas que também não atenderiam ao chamado das forças de 15 de março, os que apontam que o partido perdeu a capacidade de representar um projeto de esquerda – e gente de esquerda. É essa herança do PT que o Brasil, muito mais do que o partido, precisará compreender. E é com ela que teremos de lidar durante muito mais tempo do que o desse mandato.
Tenho dúvidas sobre a tecla tão batida por esses dias do Brasil polarizado. Como se o país estivesse dividido em dois polos opostos e claros. Ou, como querem alguns, uma disputa de ricos contra pobres. Ou, como querem outros, entre os cidadãos contra a corrupção e os beneficiados pela corrupção. Ou entre os a favor e os contra o governo. Acho que a narrativa da polarização serve muito bem a alguns interesses, mas pode ser falha para a interpretação da atual realidade do país. Se fosse simples assim, mesmo com a tese do impeachment nas ruas, ainda assim seria mais fácil para o PT.
Algumas considerações prévias. Se no segundo turno das eleições de 2014, Dilma Rousseff ganhou por uma pequena margem – 54.501.118 votos contra 51.041.155 de Aécio Neves –, não há dúvida de que ela ganhou. (Grifo meu, Será? Desconfio que Aécio foi trapaceadado pelas urnas fraudadas) 
No resultado das eleições ampliou-se a ressonância da tese de um país partido e polarizado. Mas não me parece ser possível esquecer que outros 37.279.085 brasileiros não escolheram nem Dilma nem Aécio, votando nulo ou branco e, a maior parte, se abstendo de votar. É muita gente – e é muita gente que não se sentia representada por nenhum dos dois candidatos, pelas mais variadas razões, à esquerda e também à direita, o que complica um pouco a tese da polarização. Além das divisões entre os que se polarizariam em um lado ou outro, há mais atores no jogo que não estão nem em um lado nem em outro. E não é tão fácil compreender o papel que desempenham. No mesmo sentido, pode ser muito arriscado acreditar que quem estava nos protestos neste domingo eram todos eleitores de Aécio Neves. A rua é, historicamente, o território das incertezas – e do incontrolável.

Na tese do Brasil polarizado, onde ficam os mais de 37 milhões que não votaram nem em Dilma nem em Aécio?
Há lastro na realidade para afirmar também que uma parte dos que só aderiram à Dilma Rousseff no segundo turno era composta por gente que acreditava em duas teses amplamente esgrimidas na internet às vésperas da votação: 1) a de que Dilma, assustada por quase ter perdido a eleição, em caso de vitória faria “uma guinada à esquerda”, retomando antigas bandeiras que fizeram do PT o PT; 2) a de votar em Dilma “para manter as conquistas sociais” e “evitar o mal maior”, então representado por Aécio e pelo PSDB. Para estes, Dilma Rousseff não era a melhor opção, apenas a menos ruim para o Brasil. E quem pretendia votar branco, anular o voto ou se abster seria uma espécie de traidor da esquerda e também do país e do povo brasileiro, ou ainda um covarde, acusações que ampliaram, às vésperas das eleições, a cisão entre pessoas que costumavam lutar lado a lado pelas mesmas causas. Neste caso, escolhia-se ignorar, acredito que mais por desespero eleitoral do que por convicção, que votar nulo, branco ou se abster também é um ato político.
Faz sentido suspeitar que uma fatia significativa destes que aderiram à Dilma apenas no segundo turno, que ou esperavam “uma guinada à esquerda” ou “evitar o mal maior”, ou ambos, decepcionaram-se com o seu voto depois da escolha de ministros como Kátia Abreu eJoaquim Levy, à direita no espectro político, assim como com medidas que afetaram os direitos dos trabalhadores. Assim, se a eleição fosse hoje, é provável que não votassem nela de novo. Esses arrependidos à esquerda aumentariam o número de eleitores que, pelas mais variadas razões, votaram em branco, anularam ou não compareceram às urnas, tornando maior o número de brasileiros que não se sentem representados por Dilma Rousseff e pelo PT, nem se sentiriam representados por Aécio Neves e pelo PSDB.
Esses arrependidos à esquerda, assim como todos aqueles que nem sequer cogitaram votar em Dilma Rousseff nem em Aécio Neves porque se situam à esquerda de ambos, tampouco se sentem identificados com qualquer um dos grupos que foi para as ruas no domingo contra a presidente. Para estes, não existe a menor possibilidade de ficar ao lado de figuras como o deputado federal Jair Bolsonaro (PP) ou de defensores da ditadura militar ou mesmo dePaulinho da Força. Mas também não havia nenhuma possibilidade de andar junto com movimentos como CUT, UNE e MST, que para eles “pelegaram” quando o PT chegou ao poder: deixaram-se cooptar e esvaziaram-se de sentido, perdendo credibilidade e adesão em setores da sociedade que costumavam apoiá-los.

Não há hoje uma figura nacional para ocupar o lugar de representação da esquerda
Essa parcela da esquerda – que envolve desde pessoas mais velhas, que historicamente apoiaram o PT, e muitos até que ajudaram a construí-lo, mas que se decepcionaram, assim como jovens filhos desse tempo, em que a ação política precisa ganhar horizontalidade e se construir de outra maneira e com múltiplos canais de participação efetiva – não encontrou nenhum candidato que a representasse. No primeiro turno, dividiram seus votos entre os pequenos partidos de esquerda, como o PSOL, ou votaram em Marina Silva, em especial por sua compreensão da questão ambiental como estratégica, num mundo confrontado com a mudança climática, mas votaram com dúvidas. No segundo turno, não se sentiram representados por nenhum dos candidatos.
Marina Silva foi quem chegou mais perto de ser uma figura com estatura nacional de representação desse grupo à esquerda, mais em 2010 do que em 2014. Mas fracassou na construção de uma alternativa realmente nova dentro da política partidária. Em parte por não ter conseguido registrar seu partido a tempo de concorrer às eleições, o que a fez compor com o PSB, sigla bastante complicadapara quem a apoiava, e assumir a cabeça de chapa por conta de uma tragédia que nem o mais fatalista poderia prever; em parte por conta da campanha mentirosa e de baixíssimo nível que o PT fez contra ela; em parte por equívocos de sua própria campanha, como a mudança do capítulo do programa em que falava de sua política para os LGBTs, recuo que, além de indigno, só ampliou e acentuou a desconfiança que muitos já tinham com relação à interferência de sua fé evangélica em questões caras como casamento homoafetivo e aborto; em parte porque escolheu ser menos ela mesma e mais uma candidata que supostamente seria palatável para estratos da população que precisava convencer. São muitas e complexas as razões.
O que aconteceu com Marina Silva em 2014 merece uma análise mais profunda. O fato é que, embora ela tenha ganhado, no primeiro turno de 2014, cerca de 2,5 milhões de votos a mais do que em 2010, seu capital político parece ter encolhido, e o partido que está construindo, a Rede Sustentabilidade, já sofreu deserções de peso. Talvez ela ainda tenha chance de recuperar o lugar que quase foi seu, mas não será fácil. Esse é um lugar vago nesse momento.
Há uma parcela politizada, à esquerda, que hoje não se sente representada nem pelo PT nem pelo PSDB, não participou de nenhum dos panelaços nem de nenhuma das duas grandes manifestações dos últimos dias, a de 15 de março várias vezes maior do que a do dia 13. É, porém, muito atuante politicamente em várias áreas e tem grande poder de articulação nas redes sociais. Não tenho como precisar seu tamanho, mas não é desprezível. É com essa parcela de brasileiros, que votou em Lula e no PT por décadas, mas que deixou de votar, ou de jovens que estão em movimentos horizontais apartidários, por causas específicas, que apontam o que de fato deveria preocupar o PT, porque esta era ou poderia ser a sua base, e foi perdida.

O partido das ruas perdeu as ruas porque acreditou que não precisava mais caminhar por elas
A parcela de esquerda que não bateria panelas contra Dilma Rousseff, mas também não a defenderia, aponta a falência do PT em seguir representando o que representou no passado. Aponta que, em algum momento, para muito além do Mensalão e da Lava Jato, o PT escolheu se perder da sua base histórica, numa mistura de pragmatismo com arrogância. É possível que o PT tenha deixado de entender o Brasil. Envelhecido, não da forma desejável, representada por aqueles que continuam curiosos em compreender e acompanhar as mudanças do mundo, mas envelhecido da pior forma, cimentando-se numa conjuntura histórica que já não existe. E que não voltará a existir. Essa aposta arriscada precisa que a economia vá sempre bem; quando vai mal, o chão desaparece.
Fico perplexa quando lideranças petistas, e mesmo Lula, perguntam-se, ainda que retoricamente, por que perderam as ruas. Ora, perderam porque o PT gira em falso. O partido das ruas perdeu as ruas – menos porque foi expulso, mais porque se esqueceu de caminhar por elas. Ou, pior, acreditou que não precisava mais. Nesse contexto, Dilma Rousseff é só a personagem patética e trágica da história, porque em algum momento Lula, com o aval ativo ou omisso de todos os outros, achou que poderia eleger uma presidente que não gosta de fazer política. Estava certo a curto prazo, podia. Mas sempre há o dia seguinte.
Não adianta ficar repetindo que só bateu panela quem é da elite. Pode ter sido maior o barulho nos bairros nobres de São Paulo, por exemplo, mas basta um pequeno esforço de reportagem para constatar que houve batuque de panelas também em bairros das periferias. Ainda que as panelas batessem só nos bairros dos ricos e da classe média, não é um bom caminho desqualificar quem protesta, mesmo que você ou eu não concordemos com a mensagem, com termos como “sacada gourmet” ou “panelas Le Creuset”. Todos têm direito de protestar numa democracia e muitos dos que ridicularizam quem protestou pertencem à mesma classe média e talvez tenham uma ou outra panelinha Le Creuset ou até pagou algumas prestações a mais no apartamento para ter uma sacada gourmet, o que não deveria torná-los menos aptos nem a protestar nem a criticar o protesto.
Nos panelaços, só o que me pareceu inaceitável foi chamar a presidente de “vagabunda” ou de “vaca”, não apenas porque é fundamental respeitar o seu cargo e aqueles que a elegeram, mas também porque não se pode chamar nenhuma mulher dessa maneira. E, principalmente, porque o “vaca” e o “vagabunda” apontam a quebra do pacto civilizatório. É nesses xingamentos, janela a janela, que está colocado o rompimento dos limites, o esgarçamento do laço social. Assim como, no domingo de 15 de março, essa ruptura esteve colocada naqueles que defendiam a volta da ditadura. Não há desculpa para desconhecer que o regime civil militar que dominou o Brasil pela força por 21 anos torturou gente, inclusive crianças, e matou gente. Muita gente. Assim, essa defesa é inconstitucional e criminosa. Com isso, sim, precisamos nos preocupar, em vez de misturar tudo numa desqualificação rasteira. É urgente que a esquerda faça uma crítica (e uma autocrítica) consistente, se quiser ter alguma importância nesse momento agudo do país.

Tão ou mais importante do que a corrupção, que não foi inventada pelo PT no Brasil, é o fato de o partido ter traído algumas de suas bandeiras de identidade
Também não adianta continuar afirmando que quem foi para as ruas é aquela fatia da população que é contra as conquistas sociais promovidas pelo governo Lula, que tirou da miséria milhões de brasileiros e fez com que outros milhões ascendessem ao que se chamou de classe C. Pessoas as quais é preciso respeitar mais pelo seu passado do que pelo seu presente ficaram repetindo na última semana que quem era contra o PT não gostava de pobres nos aeroportos ou estudando nas universidades, entre outras máximas. É fato que existem pessoas incomodadas com a mudança histórica que o PT reconhecidamente fez, mas dizer que toda oposição ao PT e ao governo é composta por esse tipo de gente, ou é cegueira ou é má fé.
Num momento tão acirrado, todos que têm expressão pública precisam ter muito mais responsabilidade e cuidado para não aumentar ainda mais o clima de ódio – e disseminar preconceitos já se provou um caminho perigoso. Até a negação deve ter limites. E a negação é pior não para esses ricos caricatos, mas para o PT, que já passou da hora de se olhar no espelho com a intenção de se enxergar. De novo, esse discurso sem rastro na realidade apenas gira em falso e piora tudo. Mesmo para a propaganda e para o marketing, há limites para a falsificação da realidade. Se é para fazer publicidade, a boa é aquela capaz de captar os anseios do seu tempo.
É também por isso que me parece que o grande problema para o PT não é quem foi para as ruas no domingo, nem quem bateu panela, mas quem não fez nem uma coisa nem outra, mas também não tem a menor intenção de apoiá-lo, embora já o tenha feito no passado ou teria feito hoje se o PT tivesse respeitado as bandeiras do passado. Estes apontam o que o PT perdeu, o que já não é, o que possivelmente não possa voltar a ser.
O PT traiu algumas de suas bandeiras de identidade, aquelas que fazem com que em seu lugar seja preciso colocar máscaras que não se sustentam por muito tempo. Traiu não apenas por ter aderido à corrupção, que obviamente não foi inventada por ele na política brasileira, fato que não diminui em nada a sua responsabilidade. A sociedade brasileira, como qualquer um que anda por aí sabe, é corrupta da padaria da esquina ao Congresso. Mas ser um partido “ético” era um traço forte da construção concreta e simbólica do PT, era parte do seu rosto, e desmanchou-se. Embora ainda existam pessoas que merecem o máximo respeito no PT, assim como núcleos de resistência em determinadas áreas, secretarias e ministérios, e que precisam ser reconhecidos como tal, o partido traiu causas de base, aquelas que fazem com que se desconheça. Muitos dos que hoje deixaram de militar ou de apoiar o PT o fizeram para serem capazes de continuar defendendo o que o PT acreditava. Assim como compreenderam que o mundo atual exige interpretações mais complexas. Chamar a estes de traidores ou de fazer o jogo da direita é de uma boçalidade assombrosa. Até porque, para estes, o PT é a direita.

A síntese das contradições e das traições do PT no poder não é a Petrobras, mas Belo Monte
A parcela à esquerda que preferiu ficar fora de manifestações a favor ou contra lembra que tão importante quando discutir a corrupção na Petrobras é debater a opção por combustíveis fósseis que a Petrobras representa, num momento em que o mundo precisa reduzir radicalmente suas emissões de gases do efeito estufa. Lembra que estimular a compra de carros como o governo federal fez é contribuir com o transporte privado individual motorizado, em vez de investir na ampliação do transporte público coletivo, assim como no uso das bicicletas. É também ir na contramão ao piorar as condições ambientais e de mobilidade, que costumam mastigar a vida de milhares de brasileiros confinados por horas em trens e ônibus lotados num trânsito que não anda nas grandes cidades. Lembra ainda que estimular o consumo de energia elétrica, como o governo fez, é uma irresponsabilidade não só econômica, mas socioambiental, já que os recursos são caros e finitos. Assim como olhar para o colapso da água visando apenas obras emergenciais, mas sem se preocupar com a mudança permanente de paradigma do consumo e sem se preocupar com o desmatamento tanto da floresta amazônica quanto do Cerrado quanto das nascentes do Sudeste e dos últimos redutos sobreviventes de Mata Atlântica fora e dentro das cidades é um erro monumental a médio e a longo prazos.
Os que não bateram panelas contra o PT e que não bateriam a favor lembram que a forma de ver o país (e o mundo) do lulismo pode ser excessivamente limitada para dar conta dos vários Brasis. Povos tradicionais e povos indígenas, por exemplo, não cabem nem na categoria “pobres” nem na categoria “trabalhadores”. Mas, ao fazer grandes hidrelétricas na Amazônia, ao ser o governo de Dilma Rousseff o que menos demarcou terras indígenas, assim como teve desempenho pífio na criação de reservas extrativistas e unidades de conservação, ao condenar os povos tradicionais ao etnocídio ou à expulsão para a periferia das cidades, é em pobres que são convertidos aqueles que nunca se viram nesses termos. Em parte, a construção objetiva e simbólica de Lula – e sua forma de ver o Brasil e o mundo – encarna essa contradição (escrevi sobre isso aqui), que o PT não foi capaz nem quis ser capaz de superar no poder. Em vez de enfrentá-la, livrou-se dos que a apontavam, caso de Marina Silva.
O PT no governo priorizou um projeto de desenvolvimento predatório, baseado em grandes obras, que deixou toda a complexidade socioambiental de fora. Escolha inadmissível num momento em que a ação do homem como causa do aquecimento global só é descartada por uma minoria de céticos do clima, na qual se inclui o atual ministro de Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo, mais uma das inacreditáveis escolhas de Dilma Rousseff. A síntese das contradições – e também das traições – do PT no poder não é a Petrobras, mas Belo Monte. Sobre a usina hidrelétrica já pesa a denúncia de que só a construtora Camargo Corrêa teria pagado mais de R$ 100 milhões em propinas para o PT e para o PMDB. É para Belo Monte que o país precisaria olhar com muito mais atenção. É na Amazônia, onde o PT reproduziu a visão da ditadura ao olhar para a floresta como um corpo para a exploração, que as fraturas do partido ao chegar ao poder se mostram em toda a sua inteireza. E é também lá que a falácia de que quem critica o PT é porque não gosta de pobre vira uma piada perversa.
A sorte do PT é que a Amazônia é longe para a maioria da população e menos contada pela imprensa do que deveria, ou contada a partir de uma visão de mundo urbana que não reconhece no outro nem a diferença nem o direito de ser diferente. Do contrário, as barbaridades cometidas pelo PT contra os trabalhadores pobres, os povos indígenas e as populações tradicionais, e contra uma floresta estratégica para o clima, para o presente e para o futuro, seriam reconhecidas como o escândalo que de fato são. É também disso que se lembram aqueles que não gritaram contra Dilma Rousseff, mas também não a defenderiam.
Lembram também que o PT não fez a reforma agrária; ficou aquém na saúde e na educação, transformando “Brasil, Pátria Educadora”num slogan natimorto; avançou muito pouco numa política para as drogas que vá além da proibição e da repressão, modelo que encarcera milhares de pequenos traficantes num sistema prisional sobre o qual o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, já disse que “prefere morrer a cumprir pena”; cooptou grande parte dos movimentos sociais (que se deixaram cooptar por conveniência, é importante lembrar); priorizou a inclusão social pelo consumo, não pela cidadania; recuou em questões como o kit anti-homofobia e o aborto; se aliou ao que havia de mais viciado na política brasileira e aos velhos clãs do coronelismo, como os Sarney.
Isso é tão ou mais importante do que a corrupção, sobre a qual sempre se pode dizer que começou bem antes e atravessa a maioria dos partidos, o que também é verdade. Olhar com honestidade para esse cenário depois de mais de 12 anos de governo petista não significa deixar de reconhecer os enormes avanços que o PT no poder também representou. Mas os avanços não podem anular nem as traições, nem os retrocessos, nem as omissões, nem os erros. É preciso enfrentar a complexidade, por toda as razões e porque ela diz também sobre a falência do sistema político no qual o país está atolado, para muito além de um partido e de um mandato.
Há algo que o PT sequestrou de pelo menos duas gerações de esquerda e é essa a sua herança mais maldita. E a que vai marcar décadas, não um mandato. Tenho entrevistado pessoas que ajudaram a construir o PT, que fizeram dessa construção um projeto de vida, concentradas em lutas específicas. Essas pessoas se sentem traídas porque o partido rasgou suas causas e se colocou ao lado de seus algozes. Mas não traídas como alguém de 30 anos pode se sentir traído em seus últimos votos. Este tem tempo para construir um projeto a partir das novas experiências de participação política que se abrem nesse momento histórico muito particular. Os mais velhos, os que estiveram lá na fundação, não. Estes sentem-se traídos como alguém que não tem outra vida para construir e acreditar num novo projeto. É algo profundo e também brutal, é a própria vida que passa a girar em falso, e justamente no momento mais crucial dela, que é perto do fim ou pelo menos nas suas últimas décadas. É um fracasso também pessoal, o que suas palavras expressam é um testemunho de aniquilação. Algumas dessas pessoas choraram neste domingo, dentro de casa, ao assistir pela TV o PT perder as ruas, como se diante de um tipo de morte.

O sequestro dos sonhos de pelo menos duas gerações de esquerda é a herança mais maldita do PT, ainda por ser desvendada em toda a sua gama de sentidos para o futuro
O PT, ao trair alguns de seus ideias mais caros, escavou um buraco no Brasil. Um bem grande, que ainda levará tempo para virar marca. Não adianta dizer que outros partidos se corromperam, que outros partidos recuaram, que outros partidos se aliaram a velhas e viciadas raposas políticas. É verdade. Mas o PT tinha um lugar único no espectro partidário da redemocratização, ocupava um imaginário muito particular num momento em que se precisava construir novos sentidos para o Brasil. Era o partido “diferente”. Quem acreditou no PT esperou muito mais dele, o que explica o tamanho da dor daqueles que se desfiliaram ou deixaram de militar no partido. A decepção é sempre proporcional à esperança que se tinha depositado naquele que nos decepciona.
É essa herança que precisamos entender melhor, para compreender qual é a profundidade do seu impacto no país. E também para pensar em como esse vácuo pode ser ocupado, possivelmente não mais por um partido, pelo menos não um nos moldes tradicionais. Como se sabe, o vácuo não se mantém. Quem acredita em bandeiras que o PT já teve precisa parar de brigar entre si – assim como de desqualificar todos os outros como “coxinhas” – e encontrar caminhos para ocupar esse espaço, porque o momento é limite. O PT deve à sociedade brasileira um ajuste de contas consigo mesmo, porque o discurso dos pobres contra ricos já virou fumaça. Não dá para continuar desconectado com a realidade, que é só uma forma estúpida de negação.
Para o PT, a herança mais maldita que carrega é o silêncio daqueles que um dia o apoiaram, no momento em que perde as ruas de forma apoteótica. O PT precisa acordar, sim. Mas a esquerda também. 
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficçãoColuna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site:desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter:@brumelianebrum

quinta-feira, março 12, 2015

USA despierta en la pesadilla venezolana, por Juan Carlos Sosa Azpúrua


En 2003, me encontraba en Madrid demandando al régimen de Chávez por crímenes de terrorismo de Estado y Lesa Humanidad. Nuestra premisa se basaba en la persecución política sistemática que estábamos sufriendo en Venezuela aquellos que no comulgábamos con la ideología que se estaba implementando totalitariamente. 


Se acumulaban las estadísticas de muertos y heridos que, directa e indirectamente, eran la consecuencia de un lenguaje de odio; una rabia hecha discurso desde las más altas esferas del poder, acompañado de la patente de corso conferida a los agentes del régimen para cometer sus crímenes con impunidad. 

Allí en España recibí al Wall Street Journal, que me hizo una entrevista para conocer más a fondo los delicados asuntos que estaba este periódico por revelar y que demostraban el altísimo grado de peligrosidad que representaba el régimen chavista para la seguridad del planeta (http://bit.ly/1C6Jsup). 

La publicación estadounidense venía investigando los nexos del régimen con grupos extremistas islámicos, así como su activa colaboración con las actividades de los carteles de la droga colombianos, camuflados en movimientos guerrilleros. Sugería Mary Anastasia O'grady, editora para las Américas del Wall Street Journal, que el comisionado de la CIA para asuntos Latinoamericanos, Fulton T. Armstrong, debía ser depuesto de su cargo por rehusarse a hablar en una audiencia parlamentaria sobre "tendencias políticas y económicas en el hemisferio occidental”. 

El riguroso diario estadounidense afirmaba que no era momento para tomarse a la ligera "la peligrosa amenaza para la seguridad nacional de los Estados Unidos" que constituía el régimen, que lideraba en aquel entonces Hugo Chávez. Citó las acciones judiciales que estábamos impulsando en España (y que finalmente fueron remitidas por su Audiencia Nacional a la Corte Penal Internacional de la Haya), y mencionó la información que le suministré, que era parte del material probatorio que sustentaba nuestra demanda legal, que corroboraba la preocupación del Wall Street Journal sobre la poca atención que le estaba prestando la CIA a estos temas. 

Durante la entrevista salieron a flote, entre otras amenazas, la nefasta influencia del Foro de Sao Paulo en la desestabilización del continente, el cómo sentaba en su Junta Directiva a connotados guerrilleros y narcotraficantes, entre ellos figuras prominentes que formaban parte del régimen chavista; también el equipamiento bélico de las fuerzas de choque, los denominados "círculos bolivarianos"; el adoctrinamiento ideológico marxista en las escuelas venezolanas, así como la presencia de guerrilla colombiana y grupos terroristas islámicos en nuestro territorio. 

La lista de peligros era larga y suficiente para justificar plenamente la activación de una política internacional seria y efectiva que pusiera énfasis en la necesidad de desenmascarar al régimen chavista y ponerle fin al mismo, a través de mecanismos institucionales avalados por los estatutos jurídicos vigentes en el planeta y vinculantes extraterritorialmente. 

Para aquel entonces, Estados Unidos se encontraba en el centro del infierno, ya que su guerra en el Medio Oriente estaba en su momento cumbre y las presiones que recibía por parte de la comunidad internacional eran más parecidas a una avalancha que a cualquier otra cosa. 

Para oscurecer el cuadro, las cotizaciones del petróleo tenían un sostenido ascenso, la geopolítica de Eurasia, el rol de China en los mercados, la debilidad del dólar y la multiplicidad de crisis internas fueron suficientes elementos para distraer la atención del gobierno norteamericano respecto a lo que estaba gestándose en su propio continente: un feto criminal con rasgos supra hemisféricos, concebido por Fidel Castro y financiado con petrodólares venezolanos. 

Aquí en Venezuela, caímos en un agujero negro que nos fue chupando como fideos con su energía devastadora. Tras los sucesos de abril 2002, el régimen intensificó la presencia cubana en todos los organismos del Estado, incluyendo principalmente el aparato de inteligencia e identificación nacional y la estructura electoral, para garantizar el monopolio absoluto de las variables necesarias para consolidar su poder y conservarlo indefinidamente. 

La dinámica política fue degradándose a pasos acelerados. Desmantelada PDVSA, destruida la fuerza sindical, infiltrados los partidos y ONGS, inyectado el virus de la corrupción en las arterias del cuerpo social y económico (gracias a la lluvia de petrodólares precipitándose torrencialmente en las arcas del ejecutivo); se orquestaron fraudes sistemáticos que erosionaron la poca institucionalidad que aún sobrevivía. Se implantó una matriz de opinión deliberada, con la única idea de lavarle el cerebro a la sociedad civil, convenciéndola que las luchas políticas eran asunto exclusivo de los partidos, y que nada que tuviera peso en la vida del país podía ser de su incumbencia. 

La política se hizo sinónimo de elecciones. Los asuntos de Estado se relegaron a las sombras de la nada, y los únicos temas que captaron la atención nacional fueron asuntos subalternos, todos consecuencias de una causa que se hizo anatema. 

La naturaleza criminal del régimen y su esencia totalitaria no parecían importarle a quienes manejaban los hilos de la política venezolana, y aquellas denuncias hechas por el Wall Street Journal, que tan acertadamente resumían nuestras acciones legales en las cortes internacionales, simplemente pasaron sin pena ni gloria, como un soplido de viento que no despeinó la consciencia de nadie.  
Y pasaron los años, doce para ser exactos, y aquí nos encontramos. 

Hoy Venezuela es irreconocible. Las cifras de muertos y heridos son tan largas que cuesta tabularlas sin morir de tristeza. Somos el país más corrupto del planeta, más inseguro para la vida y para las inversiones. Nuestra moneda es de agua y la inflación la gasifica, la infraestructura es una fractura de guerra, los cerebros emigran como aves en invierno. El dinero de la droga es el cemento que levanta centros comerciales y restaurantes, robusteciendo las cotizaciones de unos bienes raíces que no se venden tan caros ni en Park Avenue. En las cárceles se hacinan los inocentes, presos sin delito; mientras en el poder están los más peligrosos delincuentes. Las calles podrían ser rojas, porque es demasiada la sangre derramada por jóvenes que han luchado por la libertad que nadie, salvo ellos y un puñado más, parece apreciar. 

Dentro de este escenario dantesco, las ilusiones se debilitan por falta del sustento que les podría dar vida. Y ese sustento es la coherencia que no existe en el liderazgo nacional. Salvo excepciones, la misma nube negra que cubre todas las variables importantes que dan existencia a nuestra sociedad, tapa por completo el espectro de la política. Estamos en el momento más peligroso de todos, porque si la ilusión se desvanece, entonces lo que sigue es la resignación, y con ese espíritu apagado ningún país se levanta. 

Este nueve de marzo, Estados Unidos emitió un decreto ejecutivo que rescata el sentimiento que debió despertarse aquel lejano año de 2003, cuando el Wall Street Journal hizo su grave advertencia. 

La orden ejecutiva del presidente Barack Obama resume perfectamente lo que nos pasa: "declaro que la situación en Venezuela, incluida la erosión de garantías constitucionales por parte del Gobierno de Venezuela, la persecución de los oponentes políticos, el constreñimiento de la libertad de prensa, el empleo de la violencia y las violaciones y abusos de derechos humanos en respuesta a las protestas antigubernamentales, y el arresto y la detención de manifestantes antigubernamentales, así como el agravante de una corrupción pública significativa, constituye una amenaza inusual y extraordinaria a la seguridad nacional y a la política externa de Estados Unidos, y yo por la presente declaro emergencia nacional para abordar esa amenaza." 

Aunque formalmente se trata de una acción puntual, dirigida a siete gánsteres del régimen, la motivación inequívoca es más trascendental y afecta la médula del problema: Venezuela está secuestrada por un régimen forajido que viola sistemáticamente los derechos humanos y constituye una amenaza no solamente para los venezolanos, sino también para la humanidad entera, incluyendo obviamente a los Estados Unidos. 

Cuando una organización criminal controla el poder de una nación y se vale de las instituciones del Estado para cometer sus fechorías, los problemas de seguridad se incrementan aceleradamente en ritmos que van escalando fronteras. Y es mucho peor el problema, si ese secuestro criminal se da en un país que controla unas reservas energéticas de escala planetaria y con posición geopolítica estratégica, que ha creado vínculos con células terroristas e ideológicamente nefastas, usando su jurisdicción territorial como puente terrestre, marítimo y aéreo para la droga que destruye vidas en América y Europa. 

Cuando un país sufre semejante tragedia, el calor de su destrucción evapora cualquier noción de soberanía y autodeterminación. No tiene caso siquiera considerar a dicho país como una nación soberana, ya que ningún tipo de soberanía califica cuando la voluntad libre para escoger un sistema u otro no es una variable en la ecuación que determina si el estado de cosas amerita una intervención radical. 

La violación sistemática de los derechos humanos, el terrorismo de Estado que persigue y suprime la libertad de consciencia y el libre proceder; en pocas palabras, la presencia indiscutible de un sistema que atenta contra la dignidad de las personas en su esencia nuclear, es una premisa que justifica la preocupación del mundo y el accionar concreto de cualquier país que se sienta amenazado. 

La acción ejecutiva de Obama con relación a Venezuela es el pago de una deuda que tenía intereses moratorios. El hecho de ser la primera potencia mundial es motivo de orgullo para Estados Unidos, pero también una gran responsabilidad para con el planeta. 

El mensaje es oportuno y muy significativo. Estados Unidos se está comportando con seriedad y compromiso con las causas que realmente importan a la hora de definir el tipo de mundo que deseamos vivir, y los valores que hemos de defender para alcanzarlo. 

El país norteamericano no está entrometiéndose en un asunto que no le incumbe. Por el contrario, si Estados Unidos no se pronunciase sobre lo que está ocurriendo en Venezuela, debería sentir vergüenza. 

Y esa es la misma vergüenza que necesariamente debe abrogársele a todo venezolano que no se conecte con la profundidad de esta realidad. No se trata de tener injerencia foránea en asuntos de política interna de un país, esto sí debe evitarse. Aquí están en juego los valores fundamentales de la civilización mundial que afectan el equilibrio del planeta. 

Venezuela está a punto de extinguirse, para darle paso a un espectro tiránico donde el hombre es más parecido a un animal que a un hombre. Y eso que nos carcome como sociedad, es un virus que se exporta, y que al entrar en contacto con cualquier país, le produce lo mismo que nos está haciendo a nosotros. Por eso no es, ni debe ser jamás, un asunto de política interna, aislado de la comunidad de naciones. 

Venezuela no es el problema; es el sistema criminal que la secuestró el que debe confrontarse y erradicarse. Estados Unidos lo ha comprendido finalmente, bastante tarde a mi parecer (pero mejor tarde que nunca). 

Lo insólito es que haya sido Estados Unidos y no Venezuela (nosotros venezolanos), la responsable del primer pitazo. Es francamente preocupante la reacción de la dirigencia política nacional a la acción ejecutiva de Obama. Hemos visto con consternación el cómo estas reacciones reflejan un total desprecio o desconocimiento de nuestra realidad, confirmando lo que venimos sosteniendo desde hace años: que la política en Venezuela consiste en hacer elecciones fraudulentas y punto. 

La gravedad de la tragedia amerita un abordaje urgente de estos asuntos, dejando de lado cualquier otro tema subalterno. 

En conclusión, se necesita para ayer la reacción sonora y contundente de la sociedad venezolana. Llegó la hora de retomar los asuntos vitales para nuestra superviviencia y llevarlos a cada uno de los diversos escenarios del país, haciéndonos -todos y cada uno de nosotros- los protagonistas de la historia. 

La política es algo demasiado importante como para dejársela en exclusividad a los políticos... especialmente si es un asunto de vida o muerte.

Juan Carlos Sosa Azpúrua é Escritor; Empresario; Editor y Abogado especialista en Negociación y Resolución de Conflictos; Energía, Petróleo y Geopolítica Internacional de la Energía.